2020 – Dionysian Industrial Complex https://dionysian-industrial-complex.net/br Wed, 29 May 2024 03:50:13 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 CPLX 15 : Ghales / K-Torrent / euFraktus X – Enantiodromia https://dionysian-industrial-complex.net/br/cplx-15-ghales-k-torrent-eufraktus-x-enantiodromia/ Tue, 21 Apr 2020 20:17:51 +0000 http://dionysian-industrial-complex.net/?p=763 Enantiodromia by Ghales / K-Torrent / euFraktus X

Ao final de 2019, um grupo de músicos brasilienses – incluindo membros da Orquestra de Laptops de Brasília (BSBLOrk) e do Nomade Lab – foram convidados pela Galeria Alfinete para improvisar um diálogo com uma instalação de Milton Marques.

A obra consistia de um disco motorizado, coberto com pó de giz. Conforme o disco girava, era arado e sulcado por um gancho de metal pressionado contra sua superfície. Do lado oposto do disco, a superfície quebrada era reconstituída por um bloco nela apoiado, pesado com balas de alguma arma.

O disco era, portanto, o microcosmo de um eterno ciclo de ordem rompida e reestabelecida. De criação e destruição. De “enantiodromia”, coisas tornando-se os próprios opostos.

Conforme girava o disco, sua lateral degradada era filmada proximamente, e sua imagem, projetada contra uma das paredes da galeria, preenchendo-a. Dessa forma, o microcosmo de destruição contínua foi amplificado para uma escala aparentemente tectônica, tornando-se um visual de intermináveis terremotos ou colapsos glaciais.

Mesmo sendo uma peça amplamente improvisada, para estruturar a performance, dois músicos foram convidados para “compor” duas principais metades ou movimentos, definindo instruções específicas e material para os demais músicos trabalharem.

Estes dois movimentos ou “forças complementares” principais foram compostas por Ghales (Torque) e euFraktus X (KronUs), com o artista sonoro K-Torrent convidado para adicionar novos sons através de um violino distorcido e degradado, na transição entre os dois.

Finalmente, os músicos foram encorajados a retornar do segundo movimento para os elementos da primeira na “coda” final, nomeada Momentum, onde a peça feça um círculo, voltando ao início novamente.

O resultado, capturado e levemente editado e remixado é, em vários níveis, “épico”. Contudo, é também uma confusão. Uma caldeira de ideias e estilos em que se ouve, de fato, um mundo em constante movimento e sujeito a uma destruição criativa. Uma juxtaposição do humano e do abstrato. O orgânico e o eletrônico. Políticoo e geológico. Fragmentos melódicos e ruído.

Ghales inicia torque com a introdução de Leandro Columbi lendo textos através de sua cadeia caseira de efeitos sonoros, transformando o humano através de uma catástrofe de gaguejados, faseamento, modulações e alterações de pitch. O improviso vocal de Leandro é por vezes inteligível, ocasionalmente se assemelha a assovios de pássaros, ou grunhidos graves e murmuros entediados.

Enquanto isso, Ghales e djalgoritmo começam a trazer uma percussão LiveCoded (codificada ao vivo). Uma sequencias de potes vazios de argila que parecem tropeçar continuamente sobre si próprios, falhando a estabelecer qualquer forma de pulso.

Jackson marinho entra com suas interfaces sonoras customizadas: um moedor de carne e uma kalimba.

Gradualmente Ghales e djalgoritmo conseguem trazer o caos a certa ordem, empilhando linhas percussivas, indroduzindo temas como sinos ecoando e regando-os com um chorume de bumbos e pratos. Até que um baixo estrondoso começa a dominar sob os cortes irregulares de ruído, e o mundo torna-se um mutante honky-tonk e uma escada de acordes digitais ascendentes que apunhalam brilhantemente.

De algum local indeterminado, a voz de um apresentador de telejornal Brasileiro se intromete, calmamente reportando turbulências e agitação política. Entretanto, a voz de Leandro assume um coro de “Irresponsabilidade” com a voz repleta de tédio, um fundo de ruídos e apitos agudos atribui ao golpe político contra a presidência de Dilma Rousseff uma qualidade hipnagógica, alucinógena. Como se pudesse ser tudo apenas um sonho ruim.

Ao término da transição, KronUs, de eufraktus X, apresenta-se com um drone pungente. Torrentes sugadoras, rabiscadoras e arredondadas de água de degelo. Os assovios de Leandro sobrevoam um panorama de fraturas e rachaduras geológicas, uma geleira em dissolução. Um silvo de ruído. Guinchos e tons sintéticos erguem-se e caem. Mas as falhas e estouros tornam-se mais evidentes ao som de tiros. Seria uma zona de guerra? Um tiroteio noturno numa favela?
No mundo-disco rotatório de Marques, o bloco que suaviza a superfície rompida é pesado com balas. A violência, então, traria ordem?

Se Marques quiser sugerir isso, os músicos parecem discordar. Conforme a calma imaginária começa a romper-se entre os disparos, os sons tornam-se agitados. O canto de pássaro torna-se mais frenético. Jatos de doppler sobrevoam. Bombas explodem. Lasers. O moedor de carne está em ação. Leandro grunhe como uma horda zumbi. Então percebemos que é o inferno. Um dos círculos mais abafados do inferno de Dante. Onde badala um sino decrépito.

O tempo gravita inexoravelmente para um hino fúnebre. E a geleira derrete. Entropia toma efeito, o som torna-se ruído branco.

Na tela projetada, a terra em pó continua seu colapso desmoronante eterno.

Nunca se pisa no mesmo terremoto duas vezes

E então, a partitura de euFraktus X pede que os outros intérpretes improvisem ao redor da natureza cíclica da história. O pêndulo balançará de volta do período obscuro que vivemos. Sombras políticas serão dispersadas pela luz. [1]

euFraktus convida uma criança, Myrrha Morcelli, de cinco anos, para interagir com as câmeras que controlam seu software musical, trazendo uma energia lúdica à cacofonia. Os sons do inferno se rearranjam em uma dança efervescente e leve. Isso é uma clarineta praticando escalas? E os tiros, seriam apenas fogos revolucionários?

As encantamentos de Leandro tomam ritmo. Novos riachos de som fresco e contorcido tomam seu rumo para fora das rachaduras. A voz de Leandro sofre loops e stutters, e isso constrói energia. Até os sinos adquirem velocidade. Riverrun. Rumamos de volta ao início.

[1] Essa gravação foi feita no desespero político do final de 2019, antes que o grande pesadelo ddo COVID19 tivesse explodido no mundo. Mas escolhemos tomar uma mensagem semelhante de esperança de KronUs. O ano da doença pode ser severo, mas eventualmente sobressairemos.

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CPLX 14 : Lionuki – O Único Caminho é a Frente https://dionysian-industrial-complex.net/br/cplx-14-lionuki-o-unico-caminho-e-a-frente/ Sun, 29 Mar 2020 05:57:47 +0000 http://dionysian-industrial-complex.net/?p=749

Talvez fosse inevitável que o Dionysian Industrial Complex fosse oferecido, e entusiasticamente aceitasse, um álbum conceitual de vaporwave sobre Posadistas: o segmento extremo trotskista que virou uma fábrica de memes de internet, famoso por suas crenças em OVNIs Comunistas, necessidade de guerra nuclear, pesquisa de gravidez em gravidade zero e comunicação entre humanos e golfinhos.

Vaporwave, e seu primo inglês acolhedor mas meio sinistro “hauntology”, são gêneros de música que surgem de uma mistura de fatores tecnológicos: laptops com editores de áudio e sampleadores baratos, a rica memesfera das mídias sociais, o crescimento de camadas geológicas de histórico de material musical disponível para pilhagem. E uma nova geração de músicos prontos para se engajarem nisso.

Mas no que essa junção de forças pode dar no Brasil? Em 2019, “nostalgia” foi talvez um material perigoso e ambíguo para se trabalhar. O país cedeu a movimentos populistas de extrema-direita do final de 2010, divisionismo alimentado por mídias sociais e revisionismo histórico. O governo abertamente aplaude a ditadura militar de 64, e ameaça oponentes políticos com um retorno do AI-5, o decreto da ditadura que tornou ilegal qualquer oposição política efetiva.

“O Único Caminho É A Frente” de Lionuki nos dá um breve olhar do resultado artístico desse ambiente techno-cultural encarcerador com o pessimismo da política contemporânea. O álbum evoca memórias de um movimento revolucionário de guerrilha que mal existiu, mas que foi reinventado como um código para a era dos memes. Posadismo dá ao comunismo das antigas uma roupagem fofa meio new-age. Um sonho technicolor de OVNIs e camaradas golfinhos; um líder messiânico meio Che Guevara, meio John Lilly; o arrebatamento máximo com ETs vindo nos salvar do capital.

Num tempo onde é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, talvez seja mais fácil abraçar um comunismo de memes piadistas sobre o apocalipse nuclear, do que confrontar o desafio de construir uma consciência de esquerda mais séria em uma força de trabalho casual e fraturada, e políticas identitárias tóxicas. E esse pode ser o maior pessimismo de todos. Mas numa era onde a extrema direita marcha sob a bandeira do Sapo Pepe e abraça o terraplanismo, estaria, talvez, a política condenada a se tornar um jogo entre contadores de histórias, competindo para produzir as ficções mais atraentes e absurdas? Citando Robert Anton Wilson: “O limite entre o Real e o Irreal não está fixo, apenas marca o último ponto onde gangues rivais de xamãs se enfrentaram até chegarem a um impasse”.

Tudo isso é bastante estimulante para o intelecto e divertido de ficar pensando sobre. Mas como soa a música?

Felizmente, a coisa mais notável é que “O Único Caminho É A Frente” é boa diversão sonora. Batidas felizes de house, toques melódicos adoráveis, samples de MPB ecoando como dub ou dancehall. Seu ponto de contato musical é o alvorecer da cultura de dance music dos anos 90, invocando aquelas viagens livres de DJs de techno / ambiente, tipo The Future Sound of London, The Orb ou Coldcut. Às vezes lembra Tales of Ephidrina de Amorphous Androgynous, Lifeforms de FSOL, ou Chill Out de The KLF. Com uma camada extra de reverb vaporoso.

Esse é um album forte na nostalgia pelo techno-otimismo daquela era, feito por gente jovem demais para terem estado lá.

Mas é também intencionalmente contemporâneo. Existe um conhecimento trágico latente de que o otimismo fluorescente hiperativo dessa era estava destinado a desaparecer. Tudo aqui é cor de pôr-do-sol. Rosa-choque, laranja, água-marinha e azul-safira.

Tudo aqui também te lembra de alguma outra coisa. Tudo aqui É alguma outra coisa. Existe uma antropofagia onívora casual quando Lionuki fortuitamente mistura MPB e trilhas sonoras de anime no seu pote. Há sussurros sinistros e surtos de riffs roqueiros e linhas de baixos em “dias impossiveis 余波”. O maravilhoso “eeeee ee eee” nos mergulha em comunhão com os golfinhos através de murmúrios em vocoders eroticamente manipulados com baixos 303 borrachudos, que, então, são cobertos com arpejos de Rhodes cintilantes, até que um repentino orgasmo de sintetizadores sweep chama uma batida DnB que poderia ter estrelado o álbum Double Figure de Plaid.

“estranhos” é um colapso em cascatas de escalas descendentes, que rapidamente se levanta num trilho tortuoso de baixos FM. Antes de cair através de nuvens de bitcrush e wah-wah no pulso intenso de “protetores da poeira estelar”, que é rapidamente invadido por um cantor de forró desintegrando.

E desabamos no sombrio ato final de nossa jornada. “completa felicidade” é embebido em ironia, uma trilha sonora para se esperar pelas bombas nucleares caírem, enquanto o álbum encerra e essa montanha-russa na máquina do tempo movida a arrependimento chega ao seu final desesperado.

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CPLX 13 : Mentufacturer featuring Biophillick – Serpiente Neón https://dionysian-industrial-complex.net/br/cplx-13-mentufacturer-featuring-biophillick-serpiente-neon/ Sat, 21 Mar 2020 17:05:13 +0000 http://dionysian-industrial-complex.net/?p=737

Mentufacturer descreve a si mesmo como um garoto industrial que cresceu e acabou tendo que admitir seu amor por mantras melódicos. Quando não trabalha nos bastidores, como um dos fundadores / curadores do Dionysian Industrial Complex, ele tenta justificar essa afirmação com uma série de EPs peculiares que combinam percussões barulhentas e desordenadas com refrãos saudosamente melódicos tocados em plugins de sintetizadores baratos.

Mas neste single, em colaboração com o cantor xamânico Biophillick, ele se concentra no chill ou glo-pop do início dos anos 2010. É um assunto nebuloso no estilo de “Work Drugs” ou “Neon Indian”. Um som que é “brilho do sol no mar e cores saturadas na praia”.

Ou, ao menos, é por aí que você sente que Mentufacturer quer levá-lo. Mas movimentos estranhos continuam perturbando esse devaneio. Uma bateria agressiva de golpes distorcidos marca o final de cada compasso, como um valentão na praia chutando os castelos de areia… Uma parada súbita da fita cassete rompe a vibe para anunciar um baixo ecoando, que pode muito bem ter vindo do pós-punk dos anos 80. As caixas tipo trap são um pouco nítidas demais para a cena impressionista. Os vocais lânguidos e ligeiramente androidificados de Biophillick, em comemoração “à luz quente” e “a serpente de néon de mil cores”, ajudam a restabelecer a sensação da glo-wave. Mas a musica permanece um pouco robótica demais. O equivalente em áudio da arte visual de Biophillick: um intenso néon elétrico apropria-se das cores suculentas da natureza.

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