k[A]l3utun 0v[E]rdr1v3 está de volta. Desta vez com um novo codinome: FR[A]CKist3nZ. Uma palavra aglutinada cujos elementos combinados são “Fractal”, “Hacker” e “eXistenZ” de Cronenberg.
Fractal vem do software “holofractal” de euFräktus, criado para a Orquestra de Laptops de Brasília, adotado por k[A]l3utun 0v[E]rdr1v3. Mas, em vez de usá-lo, como pretendido (como improvisação ao vivo), ele grava várias faixas, aumenta seu volume ao máximo e as entrelaça em uma explosão torrencial de puro ruído elétrico. Do tipo, ou que arrasa cidades, ou que te ajuda a ter um bom e relaxante sono.
Este é um EP extraordinário, que destaca algo que pode ser menos evidente no lançamento anterior do k[A]l3utun 0v[E]rdr1v3 (https://dionysian-industrial.bandcamp.com/album/h4ck1ng-fantasma-outras-bruxarias-do-c4os): uma forte conexão com a cultura popular/folclórica brasileira. Mais claramente aqui, as letras estão em versos simples rimados, derivados da narrativa popular, em especial, do “cordel” (ou “cordel nordestino”, já que estão amplamente associados à cultura rural mais antiga do Nordeste brasileiro).
Os Cordéis são livretos pequenos e impressos de forma barata, que contam uma história ou descrevem um lugar, na forma de uma balada rimada. Geralmente acompanhado por ilustrações, bem característica, em estilo de impressão xilográfica (gravura em madeira). k[A]l3utun 0v[E]rdr1v3 em si, e os outros projetos do artista, dialogam com esse estilo popular, utilizando tanto o esquema de rimas nesta música cybernoise, quanto imagens reminiscentes em diversos produtos visuais, como zines e vídeos.
Para a capa deste lançamento, voltamos ao rico mundo de construção mitopunk do artista. A figura do Tamanduá Bandeira Negra: um híbrido ciborgue de tamanduá-bandeira e humanóide, é um historiador de um futuro distante que investiga, por meio de uma série de zines e CDs de compilação, uma cultura experimental do cerrado há muito tempo extinta. Vemos, também, a Baleia Negra: uma imagem icônica de uma arca biônica, preservando o conhecimento, enquanto nada pelos oceanos que outrora fora terra firme. Esses observadores do futuros olham para trás, para “a invasão das telas”: nosso próprio drama histórico enquanto nos fundimos com nossas tecnologias de espetáculo.
Liricamente, você pode se surpreender. O ruído é, quase por definição, escatológico. E há passagens neste EP que dão a sensação de que a entropia finalmente venceu e um ruído branco é tudo o que resta no fim dos tempos. E, no entanto, há muita positividade aqui. Um anseio utópico. Liberdade de religião, fronteiras e rituais sem sentido. Até mesmo a faixa “de Veias Abertas”, enquanto documenta medos de futuros desconhecidos e se aproxima do sentimento que Bruce Sterling descreve como “Dark Euphoria” (“Você pode não acreditar nas possibilidades, mas nunca pensou que teria tanto medo delas.”) é pontuada por reluzentes e belos toques agudos. Como se estivéssemos flutuando com uma esperança cintilante através de uma caverna de cristal.
A faixa final é quase que um renascimento da alma, para além da humanidade. Onde uma enxurrada de ruído branco lava o mundo, limpando-o e tornado-o, mais uma vez, novo. E nos tornamos completamente alienígenas. Quando as letras poéticas chegam, tudo isso não se parece tanto com uma mirada ao futuro, e sim, mais às nossas histórias primitivas contadas ao redor de uma fogueira, olhando para ele.