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Dionysian Industrial Complex

September 11, 2019 synaesmedia

CPLX 11 : euFräktus / biophillick / djalgoritmo – }bio{borgs

O mundo racional se dissolve em uma sopa caótica de mentiras e desinformação. Vigilância é liberdade. Conspiração é conhecimento. E a política é o brinquedo dos “hiperlíderes“: anárquicos insurgentes, que paradoxalmente alavancam a blitzkrieg da mídia social em um poder autoritário.

Os artistas recorrem à ficção científica distópica para, talvez por consolo, talvez em busca de um vocabulário para expressar seu horror e perplexidade com o choque atual que atravessamos.

Uma nova chegada ao Dionysian Industrial Complex é o djalgoritmo, um “live-coder trabalhando exclusivamente com TidalCycles, o estado da arte híbrida das linguagens de programação musical Haskell e SuperCollider. Suas batidas são uma textura glitch de assobios, guturais profundos, ruídos esvoaçante e corais espectrais, pontuados por punhaladas de baixo elétrico e sintetizadores 808.

Neste EP épico, ele conta uma história sombria em colaboração com os artistas Biophillick e euFräktus do selo Dionysian Industrial. O trio explora um mundo de pesadelos remixado dos fragmentos explodidos de filmes de ficção científica sombrios.

Biophillick, o “verdadeiro” Biophillick, é um tecno-xamã que canaliza as forças cósmicas da natureza. Mas o que um xamã deve fazer quando preso nas entranhas de Metrópolis? Nas câmaras de tortura de Faixa Aérea Um, após mais uma Guerra Mundial Terminus? Este Biophillick, o Biophillick de }bio{borgs, vagueia através do submundo das ovelhas elétricas, onde Furbies e Pokemon devem substituir os verdadeiros familiares dos animais e os Anchimayén. De fato, não sabemos ao certo se esse “Biophillick”, suas poesia é um fluxo desmanchando de livres pensamentos e tecniquês, pode não ser ele próprio um replicante defeituoso.

Enquanto isso, euFräktus pega uma cítara, como um George Harrison reanimado, e é ligeiramente transmogrificado e transubstanciado. Ele transcendeu e se tornou um drone cósmico, um som Om obscuro, encharcando as ruínas com radiação cósmica de fundo em micro-vibrações.

As batidas de djalgoritmo tornam-se distorcidas, assovios de pássaros e tambores pulverizados pelo reverb. Biophillick concentra-se numa conversa com um besouro atômico, em todo o seu desamparo kafkiano. Um universo sonoro de raspadas e cliques e trovões e estouros de estática. Sobrepostos por pesados lamentos do Bio.

Está o Bio conectando-se com a natureza? Ou arrancando arbitrariamente as asas de outra forma de vida artificial?

Um Nexus 6, chapado de melange, em busca de “mais vida”, encontra-se num transe de especiaria. Agora a cítara se torna guia de todos os elementos. Um protagonista dos riffs. Travando com as batidas aceleradas, semi-dançantes, semi-militares de djalgoritmo, em um groove crescente. Uma escada rolante cósmica ou elevador espacial levando Bio em uma última jornada. A velocidade de escape desta Terra achatada para um universo mais amplo, acompanhado pela canção gorgolejante e trinada de Furby.

Longe, além da Capa Heaviside. Para Arrakis. Para juntar-se à máquina de guerra nomádica de djalgoritmo e euFräktus na jihad clarividente contra os traficantes e os trolls das mídias sociais. Bio torna-se messias. Um dia ele retornará.

August 24, 2019 synaesmedia

Phillip Häxan – Lines

Uma nova fase de lançamentos da Dionysian Industrial. Damos as boas-vindas a Phillip Häxan, que produz um pop darkwave: refinados arranjos digitais de tonalidade índigo, coral e carmesim, cobertos de uma melancolia lo-fi e acompanhados de vocais barítonos perturbadoramente instáveis. Um minotauro Pete Murphiano, gemendo pesaroso enquanto se arrasta pelos intermináveis corredores sombrios de seu labirinto debaixo do mar.

Esta faixa começa com o lampejo de uma harpa digital, iluminando brevemente a escuridão antes de ser novamente engolida por ondas de arpejos.

Podemos escutar os passos empoeirados de uma percussão. E os ecos distantes dos rugidos de dor do minotauro multiplicados através dos túneis. O coração do minotauro está partido. Sua confiança abalada. Ele luta para se permitir breves momentos de esperança.

Ao mesmo tempo, cardumes de um sintetizador policromático passam nadando, momentaneamente re-iluminando a austera e repetitiva geometria musical de um mundo tortuoso. 

August 23, 2019 mariana

CPLX 9 : Global Ear no The Wire

Um relatório “Global Ear” e lista de reprodução para a revista de música do Reino Unido, The Wire.

O relatório abrange artistas e grupos brasileiros como a Cigarras, a Brasília Laptop Orchestra (BSBLOrk), a SCLrN e a Karla Testa, além de artistas da gravadora.

E a playlist traz faixas deles, além de todos os artistas atuais da Dionysian Industrial e outros amigos.

Ouça a lista de reprodução aqui.

November 27, 2018 mariana

CPLX 8 : euFräktus – XperiMetal

EuFräktus é um monstro de três cabeças; uma trindade profana. Três pessoas em uma. Uma pessoa em três. Schizocidadão.

De dia, avant-garde acadêmico. Fundador e líder da Brasília Laptop Orchestra (BSBLOrk), desenvolvendo softwares orientados pela semiótica holofractal, física quântica e neurociência. De noite, um guitarrista de metal esquelético. Um “lich axeman” no palco, pacientemente batendo na platéia com seus riffs.

E no fim de semana, um trapaceiro de psytrance vestido de preto, bruxo elétrico. Deleitavelmente conduzindo os jovens das cidades satélites hedonisticamente extraviados por trás de controladores, luzes e nuvens de vapor.

Três pessoas, cada uma reconhecível à sua maneira.

Mas os cientistas dos laboratórios da Dionysian Industrial queriam fazer um experimento. E se costurarmos essas três pessoas juntas? Em uma única quimera. Cerberus, cão de Hades. O experimentalista. O metaleiro. O malandro DJ? O Frankensound emergiria quando os três estivessem conectados? Que tremor de glifo a criatura composta poderia causar?

Começa com um chocalhar e raspagem mecatrônica. Um fluxo de eletricidade pulsando através das veias do monstro quando se trata de vida. E, surpreendentemente, uma voz perdida assombrada. A energia elétrica que flui através do monstro convocou uma banshee a flutuar e cantarolar em torno de seu nascimento. O euFräktus, como o monstro de Cloverfield, é acompanhado por parasitas que são temíveis por si mesmos. Convidados musicais paradoxalmente não-convidados surgem de fora, da escuridão.

O monstro muda. Alguns passos hesitantes de baixo. Uma andadura a la Boston Dynamics.

Um solo de guitarra se estira e se dobra e se dilata através da degradação holofractal. Máquinas pneumáticas chocalham e batem. A banshee grita e gargalha ensandecida.

euFräktus surge. Estica as asas. (Asas? Quem programou para haver asas? Que DNA enganoso é este?) E parece prestes a levantar vôo, batendo e batendo seus novos membros metálicos. Mas seu peso a trai. A criatura é metade rocha derretida. Está acorrentada na terra. Ela se contorce, lutando para se libertar. Fios e gavinhas estão saindo de seu corpo, prendendo e enredando a arquitetura circundante.

A criatura luta.

Finalmente, explodem seus laços. E começa uma corrida lenta, lollopante, metade dançando para frente em um breakbeat pulsante, arranhado … rabos retorcentes chicoteando enquanto ele quebra seu caminho pelo meio de todos os obstáculos.

E então fica sem fôlego … o breakbeat diminui e colapsa. O monstro cai em câmera lenta. Baterias depletadas.

Ele uiva e geme baixinho para si mesmo enquanto as recarrega. No mesmo instante, um exército de técnicos de baixo se apressa, analisando e conXertando. O euFräktus funcionou! Eles estão fazendo anotações. Grande sucesso!

Alguns reparos e recalibrações. E agora … uma oração silenciosa antes da tempestade. As alavancas são puxadas novamente. A energia de Van de Graaff passa pelo céu.

A criatura está pronta para o horário nobre.

Desta vez, fica ereto. Triunfante em uma chuva de chutes trovejantes. Riffs de guitarra em todas as direções. Enxames de banshees circulam seus torsos flamejantes. Os técnicos estão todos batendo cabeça.

E então acabou. O homem está queimado. Ghidorah descansa. Cada olho se fecha no sono. Geleiras rolam por cima da desolação. A banshee canta uma última canção de ninar.

October 12, 2018 synaesmedia

CPLX 7 : River of Electrons – Rapunzel

River of Electrons retorna ao Dionysian Industrial Complex com um exercício de “ressurreição” de seu arquivo pessoal.

Chiptunes e referências de retro-computação são agora uma parte estabelecida da cena da música eletrônica, mas Rapunzel é um pouco diferente, como RoE explica: 

Estes pequenos esboços e exercícios foram compostos num BBC Micro usando o MuProc (Quicksilva Music Processor) quando eu era adolescente, nos anos 80. Por sorte eu mantive uma cópia dos disquetes daquela época e, ao encontrar um emulador para o BBC Micro que funcionava no meu navegador, foi realmente possível executar o software, reproduzir e resgatar essas músicas.

O fascínio para mim hoje, 30 anos depois, é tentar entender o indivíduo que os criou. Obviamente são esboços juvenis, experimentos ingênuos, com harmonia e contraponto inacabados e sem polimento. Mas o que me intriga hoje (e meio que me aterroriza) é a ambição. Isto é música feita em um software sem a barganha faustiana de looping, ou mesmo sem recursos simples como copiar e colar… Cada nota é tocada à mão e cada compasso é diferente. Os motivos são repetidos, mas ou devido à inépcia (tocar as notas erradas) ou ao design, eles evoluem e se transformam continuamente. O tempo se alonga e encolhe, as melodias são harmonizadas contra diferentes contra-melodias ou riffs.

Posso identificar as influências da música que ouvia na época, talvez mais claramente hoje do que reconheci então: uma mistura de fragmentos da minha formação musical clássica muito rudimentar; o synthpop minimalista dos anos 80, que eu ouvia diariamente; algumas melodias folclóricas plangentes; algumas cadências ligeiramente influenciadas pelo blues. Nada muito do tipo “música de videogame”. Na verdade, eu costumava jogar com a música desligada; na época havia pouco senso de música de videogame como um “gênero” ou algo que valesse a pena prestar atenção. Mas a maior influência de todas foi sem dúvida a música russa para balé. “Pássaro de Fogo”, de Stravinsky, e “Romeu e Julieta”, de Prokofiev, são os dois melhores exemplos da musica que eu escutava muito nessa época. E assim, a duvidosa ideia de escrever um balé baseado num conto popular parecia bastante natural, assim como o uso de breves e penetrantes motivos rítmicos.

Naquela época, eu era alheio ao que agora seria obviamente um absurdo: tentar fazer música de balé orquestral em um chip que comporta apenas três canais de ondas quadradas e um canal de ruído. Os sons são claramente duros, alta frequência com pouca variação de timbre. Para a atual gravação eu os executei através de alguns EQ, eco e reverb, para tornar o som um pouco mais doce e suave e menos cansativo de se ouvir. E o eco confere a tudo um leve brilho natalino.

Na verdade, o eco / reverb é provavelmente exagerado, mas eu decidi aplicar uniformemente um efeito em todo o álbum ao invés de tentar varia-lo em cada diferente parte. Este não é pra ser um novo remix / remaster ou recriação do original, mas uma renderização o mais neutra possível, apenas para deixar a peça um pouco mais palatável.

Finalmente, devo observar que cerca de 60% da música que apresento aqui foi explicitamente composta para o balé chamado “Rapunzel”; o resto são esboços da mesma época que parecem se encaixar no mesmo clima. Eu juntei os vários fragmentos para fazer o que começa a parecer um todo mais coerente. Então, isso é, de certa maneira, uma reconstrução moderna.

Ouvindo Rapunzel hoje, em 2018, parece uma música alienígena, de um passado distante e desconectado (mesmo que seja apenas um passado pessoal). Essa música é desconcertante porque ao mesmo tempo é muito parecida e muito diferente da nossa ideia de “musica de videogame”. A qualidade chiptune do som é inescapável, mas não há arpejos frenéticos, hiper-sequenciados, incrivelmente rápidos. Este não é o som dos ravers que usavam Nanoloop, como Droid-On. Nem mesmo a estética hipster glitch de, digamos, “Super Madrigal Brothers”.

Em vez disso, é romantismo ingênuo e melancólico. Uma música de lamentos deprimidos e tristes. O tema de uma menina (ou deusa solar) trancada em uma torre por uma bruxa (perversa ou apenas muito protetora?) é certamente a fantasia arquetípica do adolescente. Uma saga gótica e cheia de angústia.

Mas hoje notamos que também é um tema clássico do videogame dos anos 80. O que, afinal de contas, é a luta de Jumpman com Donkey Kong, ou a missão de Mario no Reino dos Cogumelos, senão uma atualização da alegoria medieval “Ataque ao Castelo do Amor”.

 

August 18, 2018 synaesmedia

CPLX 6 : k[A]l3utun ov[E]rdriv3 – H4cking Fantasma & Outras Bruxarias do C4os

O punk é uma erupção. Não deixa pedra sobre pedra. É uma negação da classe social e do privilégio. Nem deuses! Nem mestres! Energia bruta e explosiva. Mas energia para o quê? Como o punk pode contar estórias? Fazer histórias? Construir novos mundos?

Nos anos de 1980 e 1990, escritores como William Gibson e Bruce Sterling nos deram uma resposta para tal pergunta. Cruzaram o punk com a ficção científica, e assim criaram o “cyberpunk”: histórias falsas, histórias futuras. O Continuum de Gernsback. Dori Bangs. Memórias equivocadas de computadores mecânicos.

Punk e ficção científica. Por um breve momento, o cometa incandescente do punk mergulhou na estrela implodida dos sonhos otimistas da América. E foi espetacular. Mas logo fracassou. O cyberpunk foi rapidamente reduzido a um clichê de óculos escuros e um James Dean com a cabeça cheia de microchips. No final dos anos 1990, a tecnologia recolocou sua terno e saiu em busca de um IPO (Initial Public Offerings – Oferta Pública Inicial).

Mas o Cyberpunk não está morto.

Ou, se estiver, é apenas temporário. Imerso no fundo do oceano. A 20.000 léguas abaixo das ondas, enterrado dentre as lápides ciclópicas de R’lyeh. Dorme com os peixes e janta com os Drexciyans. O mar encontra seu próprio uso para as coisas, as quais o mundo da superfície jogou fora.

E mesmo na morte, o Cyberpunk se agita, e envia visões, borbulhando na “deep web”, para assombrar os sonhos inquietos do mundo desperto. Drones assassinos, fazendas de trolls criando notícias falsas, ataques do dia-zero na internet das coisas, Equation Drug, WannaCry, Sesame Credit, The DAO, os perigos da Inteligência Artificial. O Cyberpunk está aqui entre nós. Sussurrando através do wifi.

Nunca houve como antes, tamanha necessidade por histórias sobre o futuro, se não as alimentadas pela energia disruptiva do punk. Somente o punk é (paradoxalmente) idealista e cínico o suficiente para lidar com as complexidades que nossa tecno-economia e sociedade hiperconectadas e aceleradas lançam.

O EP k[A]l3utun ov[E]rdriv3 nos traz o cyberpunk em sua forma mais mito-poeticamente magnífica. Um sincretismo rico e uma recombinação caótica do Anarcopunk, da cultura hacker e do realismo mágico latino-americano: a crítica política como ritual magico. Krakens e bruxas; um navio pirata fantasma assombra os mares da costa do Chile; leões-marinhos absorvem as almas dos afogados para construir uma inteligência artificial necrótica. Uma insurgência anti-colonial de poltergeists guerrilheiros surge enquanto Mapinguaris caçam na Matrix rizomática da Amazônia e os Abaçaí dançam no “Deep Learning”.

Robert Luis Stevenson e Jules Verne, vários ciclos mitológicos indígenas sul-americanos rederizam-se por meio de “Transferência de Estilo Neuronal” em Arthur Kroker, Penny Rimbaud, Hakim Bay e o CCRU.

A música não está bem “composta” como num “circuit-bent” cujo os protocolos da malha de comunicação de hoje, se dão com um “glitch” de cada vez. O oceano, a infra-estrutura de piratas, estão sempre presentes neste som. Um continuum inquietante oscilante e turbulento no qual os graves se elevam como as exalações de baleias em suas viagens. Cardumes de sequências analógicas passam e se perdem novamente no escuro. Um tsunami de estática varre tudo antes, deixando apenas os fantasmas da faixa final.

July 30, 2018 synaesmedia

CPLX 5 : Malena Stefano – Exercícios Espirituais

No palco, Malena Stefano apresenta uma figura alta, magra e aparentemente frágil, apesar de energizada com uma intensidade espiritual ardente: parte criança Nephilim desamparada, parte sacerdote guerreiro (a primeira vez que ouvimos ela DJing, Malena começou seu set com música do Estado Islâmico). Ao vivo, ela improvisa, murmura e soluça acima de estilhaços de nuvens de pastorais eletrônicas.

Mas para o seu primeiro EP para o Dionysian Industrial ela não oferece tal performance. Ao contrário, esse é um conjunto de ferramentas do tipo “faça você mesmo” para intensificar a disciplina espiritual, inspirado nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola e nas observâncias religiosas exigidas durante o Ramadã, o duro ascetismo imposto pelo monoteísmo dos nômades.

Há majestade nessa música. E tranquilidade. Ventos no deserto ermo. Cristalinos grãos de luz. E distorção severa.

Nas próprias palavras de Malena Stefano: “uma trilha de fundo agressiva, crua, desconfortável e estimulante”, sem vocais, para acompanhar nossa própria meditação, oração e abstinência. Ou para incorporarmos improvisações vocais, mantras, o falar em línguas, lamentações no meio de lugar algum.

 

May 16, 2018 synaesmedia

CPLX 4 : MC Bicho Bicha – Batidas de Animismo Futuro

Um espectro está assombrando o Antropoceno. O espectro do Homem-Caribou. Kanipinikassikueu, que abandona o mundo dos homens para se casar com uma criatura selvagem da floresta, e que se torna o embaixador da humanidade na floresta insondável. É o Mestre Caribou que fornece ao caçador a sua presa. Se negociado com respeito.

Na reconstituição da história de MC Bicho Bicha, o homem (vira-casaca) busca relações conjugais com a própria Pachamama, a fecunda pluralidade da natureza. Colapsando nos braços (nos ramos e nos tentáculos) de recriação prometêutica em “Musica do Amor”.

Todas as gerações não sonham em derrubar a civilização e se submeter ao chamado da natureza? Se assim for, o Homem- Caribou fala para todos nós.

“Eu tenho uma esposa-cervo”, cantou Momus, em sua interpretação do mito. “Guarde para si mesmo”. Mas MC Bicho Bicha não vai guardar para si. Ele é o potlatch encarnado. Economista da abundância. Todas as incontáveis transações e ciclos ​​​​que a humanidade ignora em seu consumo racionalmente voraz da floresta. Ele vê as dívidas invisíveis para com as quais a humanidade é cega.

E agora, o Home-Caribou está zangado.

Contemplando o eco-apocalipse, como até a água que dá vida se torna hostil em “Dono de Cemeterio”, o autodeclarado animal queer, pós-humano, Jake Sully, nos chama a uma insurgência metafísica contra os males da humanidade, incluso a taxonomia ela mesma. Em “Santo-Antônio Trilobita”, ele invoca um exército de deformados Shoggoth, um corajoso carnaval de animais híbridos, para se manter firmes e nos repreender.

À primeira vista, o hip-hop, um gênero de tecnocultura urbana e assalto à mídia, parece uma contrapartida estranha para a poesia mitológica e simbolista da guerra de guerrilhas do MC Bicho Bicha. Mas o hip-hop sempre foi a música dos oprimidos e de sua resistência. No entanto, a tensão é audível aqui. Os ritmos fluidos da poesia de MC Bicho Bicha não se submetem facilmente a batidas mecanizadas. Apressando-se para a frente ou para trás, quando o tempo natural das palavras ultrapassa os tambores amassados. O próprio mundo sonoro está em conflito, enquanto sons eletrônicos fortes lutam contra amostras de cantos de pássaros e sons de animais. As batidas são pesadas e barulhentas, mas quebram-se diante de lamentações igualmente estridentes. Sons brilhantes e artificiais parecem tentar nos atrair de volta ao luminoso mundo humano apenas para serem subvertidos pelas penetrantes melodias pulsantes de Bicho Bicha.

 

Letras

1. Essa mina, a Pachamama

O poder da bicha
É o poder do bicho
Do bicho que devora quieto
Do bicho papo reto
Do bicho que se entrega
Tuas feras soltas, tuas asas
Teus ciscos, teus rabiscos.
O poder do que cresce no lixo,
do carrapicho
do teu mijo

O poder do bicho bicha
É o poder larval
Que te seduz, como um animal
Que te desmonta
Não segura tuas pontas
Te afronta, te deixa tonta
Te espicha a salsicha
Te esguicha
Até que cai a ficha
Nem tenho filo nem espécie,
Só bicha. Como todos os bichos
Concentrados num só animal
O filho da terra
Que não quer ser só
mais um mano humano
Devastador.
Chama a mina colorida
Que é feroz e graciosa
A mina que é a pachamama,
É condor, serpente e llama
Peixe, girino, iguana
Tragédia, piada, melodrama
Cupim, pernilongo, grama
É uma mina americana
Mais nativa que o Obama
pode mais do que a dinheirama
Que o papa e o dalai-lama
Chega junto, te inflama
E não fica cercada, fechada,
Amordaçada, domesticada, encurralada,
Apertada, silenciada, atropelada
Que ela não é só natureza, morou?
Que é só coisa do IBAMA
Ela quebra a cama
Essa mina, a pachamama.
e eu sou seu chifre caribu, dadivosa
Que eu sou homem-viado
O mestre das renas doces
Que se entregam aos caçadores
Que agradecem no jantar
Que este aqui é o meu planeta, vagabundo
E pra comer tem que pagar
Não com o dinheiro do açougue, filé
Mas com a carne do teu bucho
E a ossada que você usa, mané
Pra te sustentar – Caribuuuuuu
O barulho é o som da terra, mano
O noise da lava, da água, do fogo, do chão. Da terra que não se compra
Nem se arrenda a prestação
É a nostalgia da onça,
Do onça, do pato, da cabra, do porco
Do mato, do tronco, da seiva, do lago. Da cinza, do cobre, da lata,
do lítio, do estanho, do aço, do ouro nas moedas de um milhão.
A nostalgia dos processos indisciplinados
Nas máquinas que industriais engravatados
Entregam aos somalis escravizados
Que ficam milhões de horas encalacrados
No chão da fábrica amarelado
Fazendo lucro camuflado
Vendidos por outro imigrante proletarizado
Que largou de ser um bakuníndio
Pra rodar a manivela do desejo líquido
nos tentáculos ávidos atávicos hiperbólicos
de Chluthlu.

Meu nome é ruptura,
É V de humanidade
É esquecer a espécie, parceiro
Quero som que faz teus osso requebrá
Geral enviadá, malandro revirá
Reprogramar teu travesseiro
Correr com os equezeiro
As nega colando velero
Misturada nos maloqueiro
E todos os batuqueiro
Montando açucareiro.
MC Bicho Bicha
Esse viadão assombração
É o homem-caribú
(dadivosa) lemebel
Que te oferece cerdo cru
Pra tu comer ou pra comer teu macucu
Não é umas reninha, é trucuçu
Onde tem bicho tem bicha, xará
Onde tem baba de carniça
tem terremoto n’teu angu.

 

2. Santo-Antônio Trilobita

A medida provisória diz assim:
tudo o que é humano é soberano
tudo o que é natural é bestial.

Mas algumas de nós somos corajosas:
as hidras bichas,
as perereca ekeka
os musgo lusco fusco,
os mineral antipatriarcal
os parasita troglodita,
os computador pastor
os escaravelho vaga-lume, as minhoca imperial.

As minas de ferro e bronze,
escalafobéticas e segredudas
que devoram ministério,
o traço da lesma pre-rafaelita
o cisco do esmo vulcânico
aquele hormônio verde tirânico
que de vez em quando te visita
santo-antônio trilobita, a fadinha caribú
os cú, docilizado, soltando espuma
a laia de Gaia }bis
a desumanidade dourando na praia }

e tu que não vêm por aqui,
besta da tua crueldade
estigma da tua fúria, tu sangrando
tu mortalóide, pactuado com a mandioca.

3. O dono do cemitério

Já o verme, este operário das ruínas
que o sangue podre das carnificinas
lambe e a vida em geral declara guerra
anda a espreitar meus olhos pra roê-los
e há de deixar-me apenas os cabelos
na frialdade inorgânica da terra.
Das Ge-Stell bestellt den Bestand.
Vem ver o último vagalume
Vem ver a última abelha
Vem ver a última onça morrer
A onça que bebeu água contaminada.
Como eu poderia lhe dizer que já não era eu
que poderia lhe caçar,
que também no balde de água
ao lado da tina,
que também na torneira do tanque,
e na poça de água que escorre do cano,
não há água.
Como eu poderia lhe contar que a água,
já não era água.
jMesmo com toda a nossa indiferença,
a água era minha e dela.
A água era a água que eu havia caçado.
Eu caçava a água do córrego
Eu caçava a água do balde
Eu caçava a água do rio
Eu caçava a água da bica
A água caçava ela, a água caçava eu.

4. Música de amor

Morrer como bicha, voar como a seda
morrer como bruxa, tocar a trombeta,
morrer como bicha, trocar de trombeta
morrer como bruxa, voar com a seda,
morrer como bicha.

Um caso de amor com um besouro e um espartilho e uma parede
trágico, embriagado
e ternura;

não quero saber de faze carreira
no setor comercial –
não quero beber apeirol.

Quero adornar minha demência
com um amor descomunal
passando o dedo do meio no rego
entre o rodapé e o chão
encostando um pedaço de lona azul
na minha samambaia,
sexy, sexy
tão provocante…

Mais próximos de Deus que eu.

May 13, 2018 synaesmedia

CPLX 3 : River of Electrons – Box

O manancial do “River of Electrons” (Rio de Elétrons) é um Groovesizer MK1, a homônima “Box” (Caixa) que o artista recebeu como presente de Natal em 2016. No coração do Groovesizer está uma placa primitiva de Arduino; criada por um artista de Brasília, Hieronimus do Vale, a caixa é baseada num software livre desenvolvido pela MoShang.

“River of Electrons” combina este sequenciador lo-fi com um trivial pedal de guitarra multi-fx, um Korg Monotron, um PocketCHIP rodando Sunvox e outro Arduino acionando drones barulhentos. Mas aqui não se trata de um exercício para extrair sutilezas ou sofisticação musical de equipamentos arcaicos. Ao contrário, cada um deles é reverenciado, dado plena liberdade para exibir e ostentar qualquer que seja o espetáculo tosco  que consiga engendrar.

O resultado é um mundo sonoro estranhamente convincente,  familiar mas idiossincrático, equidistante entre uma excursão ambiente embaçada e cintilante; dub das antigas que arremessa na pista com euforia qualquer truque básico (e gratuito) de estúdio que possa colocar suas mãos; rumorejante e hipnótica acid jam do segundo verão de amor; rude musica eletrônica lo-fi.

Imagine Harold Budd com um TB303, gravada em uma Black Ark  com circuitos distorcidos.

Em uma famosa entrevista, Brian Eno descreveu uma linda experiência musical que teve ouvindo um disco num volume tão baixo que estava no limiar da audibilidade. “Box” também parece ter um prazer quase perverso na quietude, forçando o ouvinte a bloquear sons concorrentes ou a usar fones de ouvido para focar a atenção no minúsculo. Um solo rasgado com um Arduino saturado, alimentado pelos mais ruidosos efeitos de distorção, abaixo de -20dB. Instrumentos “reais” – piano, gravador, órgão elétrico – são engajados ocasionalmente. Mas estão tão profundamente submersos na composição que não acrescentam mais do que um quase imperceptível, subconsciente desenho sob a superfície ondulante e borbulhante do rio.

May 12, 2018 synaesmedia

CPLX 2 : Victor Hugo – LÁARÒYÈ EXU! EXU MO JÚBÀ!

Dado que Exu tem uma reputação por vezes feroz, a invocação de Victor Hugo do Orixá é notável por sua economia e sutileza. Mesmo que a música contenha elementos esperados como tambores, cantos rituais e explosões de ruído eletrônico, há pouco exotismo bombástico ou gratuito. Ao contrário, essa música é um mecanismo eficiente e funcional para abrir portais para outros planetas. Aterrorizante não por causa de algum melodrama, mas apenas porque pode estar funcionando.

Victor Hugo entende que a percussão é uma “onda condutora”. Não é uma sequência de pulsos em staccato. Ou mesmo uma matriz. Mas uma ondulação rica e agitada que pode ser modulada com mensagens estranhas e surpreendentes. Frequência modulada, pitch-bent e bitcrushed, flangeada e varrida por filtros. A música está sobrecarregada com uma superposição de símbolos: um belo xilofone, uma guitarra antiga desafinada, sinos amassados, erupções de vozes radio-comprimida, vindas do “Bush of Ghosts”. Você não consegue determinar o que esta língua alienígena significa, mas você sabe que, através dela, alguém está falando com você.